sábado, 11 de dezembro de 2010

Poeta: Vinícius de Moraes - Livro de Sonetos - Soneto de Meditação

                I


Mas o instante passou. a carne nova
Sente a primeira fibra enrijecer
E o seu sonho infinito de morrer
Passa a caber no berço de uma cova.

Outra carne virá. A primavera
É a carne, o amor é seiva eterna e forte
Quando o ser que viveu unir-se à morte
No mundo uma criança nascerá

Importará jamais por quê? Adiante
O poema é translúcido, e distante
A palavra que vem do pensamento

Sem saudade. Não ter contentamento.
Ser intimo como a melancolia.

              II 
Uma mulher me ama. Se eu me fosse
Talvez ela sentisse o desalento
Da árvore jovem que não ouve o vento
Inconstante e fiel, tardio e doce

Na sua tarde em flor. Uma mulher
Me ama como a chama ama o silêncio
E o seu amor vitorioso vence
O desejo da morte que me quer.

Uma mulher me ama. Quando o escuro
 Do crepúsculo mórbido e maduro
Me leva a face ao gênio dos espelhos

E eu, moço busco em vão meus olhos velhos
Vindos de ver a morte em mim divina:
Uma mulher me ama e me ilumina.

           III 

O efêmero. Ora, um pássaro no vale
Cantou por um momento, outrora, mas
O vale escuta ainda envolto em paz
Para que a voz do pássaro não cale.

E uma fonte futura, hoje primária
No seio da montanha, irromperá
Fatal, da pedra ardente, e levará
Á voz a melodia necessária.

O efêmero. E mais tarde, quando antigas
Se fizerem as flores e as cantigas
A uma nova emoção morrerem, cedo

Quem conhecer o vale e seu segredo
Nem sequer pensará na fonte, a sós...
Porém o vale há de escutar a voz.

           IV 

Apavorado acordo, em treva. O luar
É como o espectro do meu sonho em mim
E sem destino, e louco, sou o mar
Patético, sonâmbulo e sem fim.

Desço na noite, envolto em sono; e os braços
Como imãs, atraio o firmamento
Enquanto os bruxos, velhos do vento.

Sou o mar! sou o mar! meu corpo informe
Para o silêncio onde  o Silêncio dorme

Enorme. E como o mar dentro da treva
Num constante arremesso largo e aflito
Eu me espedaço em vão contra o infinito.

Oxford, 1939 

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