quarta-feira, 13 de abril de 2011

Poeta: Vinícius de Moraes - Livro de Sonetos - Os Quatro Elementos

I - O Fogo

O Sol, desrespeitoso do equinócio
Cobre o corpo da Amiga de desvelos
Amorena-lhe a tez, doura-lhe os pelos
Enquanto , feliz, desfaz-se em ócio.

E ainda rosto infantil e os seus cabelos
De modo que eu, por fim, vendo o negócio
Não me posso impedir de pôr-me em zelos.

E pego, encaro o sol, com ar de briga
Ao mesmo tempo que, num desafogo
Proíbo-a formalmente que prossiga

Com aquele dúbio e perigoso jogo...
E para protegê-la, cubro a Amiga
Com a sombra espessa do meu corpo em fogo.


II - A Terra

Um dia, estando nós em verdes prados
Eu e a Amada, a vagar, gozando a brisa
Ei-la que me detém nos meus agrados
E abaixa-se, e olha a terra, e a analisa

Como face cauta e olhos dissimulados
E, mais, me esquece; e, mais, se riza
Como se os beijos meus fossem mal dados
E a minha mão não fosse mais precisa,


Irritado, me afasto; mais a Amada
À minha zanga, meiga, me entretém
Com essa astúcia que o sexo lhe deu.

Mais eu que não sou bobo, digo nada...
Ah, é assim... ( só penso ) . Muito bem:
Antes que a terra a coma, como eu.


III - O Ar

Com mão contente a Amada abre a janela
Sequiosa de vento no seu rosto
E o vendo, folgazão, entra disposto
A comprazer-se coma vontade dela .

Mas ao toá-la e constatar que bela
E que macia, e o corpo que bem posto
O vento, de repente, toma gosto
E por ali põe-se a brincar com ela.

Eu, a principio, não percebo nada
Mas ao notar depois que Amada tem
Um ar confuso e uma expressão corada

A cada vez que o velho vendo vem
Eu o expulso dali, e levo a Amada:
-- Também brinco de vento muito bem!


IV - A Água

A água banha a Amada com tão claros
Ruídos, morna de banhar a Amada
Que eu, todo ouvidos, ponho-me a sonhar
Os sons como se foram luz vibrada.

Mas são tais os cochichos e descaros
Que, por seu doce peso deslocada
Diz-lhe a água, que eu friamente encaro
Os fatos, e disponho-me à emboscada.

 E aguardo a Amada. Quando sai, obrigo-a
A contar-me o que houve ela e a água:
-- Ela que me confesse! Ela que diga!

E assim arrasto-a à câmara  contígua
Confusa de pensar, na sua mágoa
Que não sei como a água é minha amiga.

Montevidéu, abril, 1960 

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