sexta-feira, 11 de março de 2011

Conto de Ana Guimaraens - Viagens

     Ela estava feliz. Logo que recebeu o convite, comprou a passagem, arrumou a mala, vestiu-se com esmero e foi viajar. seu namorado estava em outra cidade para receber um prêmio e convidou-a para acompanhá-lo.
     Alguns meses atrás, ele tinha terminado o relacionamento. A partir daí, a vida dela ficou suspensa, como uma gota que se solta da torneira e não cai na pia. Ou um pescador que perdeu o leme em alto-mar, intercalando momentos de serenidade, esperando o socorro sentado, e desespero, percorrendo o barco de proa a popa.
     Teve o dia dos namorados, em que ela escreveu um poema de reconciliação. Telefonou e ele respondeu que não podia falar pois estava num jantar, mas ligaria mais tarde. Ela esperou até de madrugada, em frente à TV, com um tricô nas mãos, pantufas nos pés e o gato no colo. Passaram-se um dia, uma semana e nada. O poema ficou perdido, extraviado em alguma gaveta, junto com sua autoestima.
     Mas agora ele a tinha chamado, e tudo seria diferente. Chegou ao hotel, horas antes de amanhecer.
Não quis incomodá-lo. Apenas mandou uma mensagem, avisando de sua chegada. Entrou no quarto e tirou a roupa suada. Errou na temperatura, estava quente. O blusão vermelho de gola alta, com a camiseta segunda pele e a calça de lã, não combinava com os quase trinta graus Celsius
     Entrou num banho fresco e perfumado. Lavou os cabelos com cuidado, imaginando que a água espumada lavava também a angústia dos últimos tempos. Enrolou-se na toalha branca e macia. Pegou o necessaire. Desodorante, pasta e escova de dentes, perfume. Sorria, escrevendo bobagens no espelho embaçado.
     Voltou ao quarto e abriu a mala, para escolher o que iria usar. Tirou um pijama de zebra. Um outro cor-de-rosa. O de algodão, floreado. A camisola preta de cetim e rendas. Outra azul lisa, quase na altura do joelho. A amarela, de tecido apeluciado. O pavor tomou conta dela, não havia mais nenhuma roupa.Trouxe todos os pijamas e camisolas. Apenas isso, nada que pudesse vestir para sair à rua.
     O telefone tocou, e ela atendeu como se estive-se em transe.
     Oi, querida! Como foste de viagem? Silêncio prolongado. Alô, alô! Está tudo bem? Um fio de voz prolongado. sim Tu vens ou queres que eu te busque? Vai começar à nove... Ela interrompe com um grito. Não posso. O quê? E uma comporta se rompe e todas as lágrimas contidas explodem num pranto desesperado. Eu não posso, não posso.
     A gota cai na pia e o pescador finalmente se atira no mar.

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